Breno S. M., autor de “A garota do apartamento 45” traz sua visão sobre a influência da solidão em grandes nomes da literatura. Confira.
Sylvia Plath foi uma grande poeta norte-americana, autora de “A Redoma de Vidro”, seu único romance, publicado apenas semanas antes de seu suicídio — esse último fato vai se tornar mais relevante até o fim deste texto. Mas como essa autora, falecida em 1963, tem relação com Clarice Lispector, Kafka e Albert Camus? Aliás, o que esses autores têm em comum?

Apesar do enorme salto temporal entre o nascimento e falecimento de cada, todos têm algo em comum: viveram após a primeira revolução industrial, sendo que Clarice e Sylvia experienciaram a Segunda Guerra e o fim da segunda revolução industrial. É aí que as coisas se conectam.
Talvez não seja um fato tão conhecido, mas segundo a obra A biography of loneliness: the history of na emotion, de Fay Bound Alberti, o uso — e, em fato, o conceito — da palavra “solidão” só começou a ser usado de forma relevante a partir da primeira revolução industrial, desde quando, estatisticamente, a frequência do uso subiu de maneira exponencial e surpreendente.
Acredito que, com as transformações desse período e os marcos históricos posteriores, houve uma grande mudança no comportamento e experiência humana nunca antes vista, o que influenciou as narrativas em que a humanidade acreditava e, consequentemente, os sistemas filosóficos.
Em O mito de Sísifo, Albert Camus apresenta um sistema de pensamento que, simplificadamente, diz respeito ao inerente abalo de se existir como humano. É uma obra que tem como enfoque a sensação de alienação que as formas de modelação humanas criam como uma maneira de se habituar ao extraordinário da existência.

Exemplifica-se, assim, a relação rotineira e banal das formas de trabalho, das maneiras de se pensar, agir, interagir e falar. Em suma, evitamos diária e inconscientemente — embora nem sempre — o confronto com o destino da morte e do sofrimento, que são inevitáveis.
Daí, surge o tipo de alienação que nos impede de olhar para uma simples rocha, por exemplo, e ficarmos fascinados ou abismados com sua mera existência, a mesma linha de narrativa que contamos a nós mesmos quando estamos totalmente acostumados a trabalhar quase, senão de fato, todos os dias para conseguir um papel com um valor totalmente simbólico em troca, enriquecendo os donos das grandes empresas — não vou entrar nessa linha de raciocínio, prometo —, modelando nossos relacionamentos em torno do capital, produzindo em torno e por ele a ponto de automatizarmos boa parte de nossas conversas — o que imita o modelo de produção em uma fábrica, por exemplo —, que, como consequência, se tornam muitas vezes superficiais; tudo isso enquanto existimos num universo infinito e complexo, onde a mera vida, nas formas com as quais estamos tão habituados, e a consciência são fatos fascinantes tanto do ponto de vista científico e matemático quanto filosófico. Tudo isso quando sabemos que logo iremos morrer.
Surge Kafka, então, na linha de raciocínio, que, além de possuir uma biografia trágica — e, inclusive, solitária —, representa todo esse processo numa espécie de horror existencial e psicológico, no qual a figura da barata, tão popularizada nesse sentido por suas obras, ganha um simbolismo se espanto, bem como Albert Camus diagnosticaria, ao confrontar toda essa verdade, que é, por si mesma, alienante. Suas obras marcam a tragédia dessa falta de sentido e a sensação de vazio em todos os contextos, desde as relações humanas — como a de trabalho, produção e exploração, quanto o caráter puramente subjetivo e humanístico em si.
Em várias obras, Clarice menciona “a coisa”, um objeto imaginário e subjetivo, uma sensação e estado de consciência, que é percebida, ainda que de forma sublime, pelos seus personagens com uma grande certeza. Porém, a busca dessa coisa difícil de sequer compreender traz, por muitas vezes, o sofrimento, angústia, agitação e até mesmo a loucura — eu destacaria, como exemplo, a obra A maçã no escuro.

Diria que, entre tantas interpretações possíveis, uma das mais simples delas, porém não menos importante, é justamente a procura por uma verdade, uma certeza que preencha o vazio, que num mundo líquido, como diria Zygmunt Bauman, ou numa cultura de “enxames”, como diria Byung-Chul Han, é certa e sólida. É, de maneira fundamental, embora não precisamente substancial, uma luta contra a solidão, inclusive a solidão do “eu”.
Finalizo com um trecho de A redoma de vidro: “Eu sou, eu sou, eu sou”.