Helena Grillo, escritora dedicada ao público infantojuvenil, fala sobre o comum erro de considerar o leitor jovem pouco exigente
Desde que comecei a escrever livros, em 2015, percebi que o primeiro passo é não subestimar o leitor. Não é porque são jovens que vão aceitar um enredo com uma problemática facilmente resolvida. Os autores de infantojuvenis têm que se concentrar em aprofundamentos além da ação, aventura e fantasia. Muitas vezes os escritores estão tão focados na construção de cenário que se esquecem dos personagens, por exemplo.
Um exemplo disso está na saga Percy Jackson: não é porque Percy achou o velocino de ouro, ou porque encontrou o verdadeiro ladrão de raios, ou porque derrotou um titã que todos os problemas do personagem foram solucionados. Ele tem questões internas, sentimentais, familiares e até de autoestima que são trabalhadas ao longo da série — mas cuidado: não são todos os jovens que têm depressão, ansiedade ou transtornos psicológicos, como no caso do Percy, então não saia explorando um caso em cada um dos seus personagens, certo?
Caso os seus protagonistas sejam adolescentes, como é o caso da maioria das histórias destinadas ao público infantojuvenil, pesquise que tipo de questões se passam na cabeça de pessoas dessa idade. Um jovem de 12 anos preocupado com a aposentadoria até pode acontecer, mas é algo bem fora da curva. Se quer se conectar com o público jovem, converse com alguém da idade do personagem, pergunte o que o aflige e o que ele anseia. É possível fazer uma pesquisa de campo e até incluir o seu público-alvo entre os leitores-beta.
E, sinceramente, essa dica serve para todos os públicos, embora eu veja essa problemática mais presente nas obras destinadas ao público jovem, pois há a errada interpretação de que esse leitor, por ser um leitor ainda inexperiente em maioria, se contenta com pouca coisa. Veja: por que “Orgulho e preconceito” é diferente de muitos romances e mesmo depois de anos ainda chama atenção? Porque não subestimou o leitor. Foi um romance sem soluções fáceis, com dois personagens que não têm apenas a preocupação de ficarem juntos, como também uma bagagem emocional forte. O senhor Darcy, por exemplo, lida com a responsabilidade de ser o líder de sua família e zelar por sua irmã mais nova, principalmente depois que ela se envolve com George Wickham, que queria usá-la. Jane Austen não achou que seus leitores queriam romance só pelo romance, mas pela ligação que eles teriam com os personagens, fazendo assim com que nos importássemos com o que aconteceria com eles.
Voltando ao público adolescente, os três primeiros livros da saga Harry Potter têm finais fechados, porque não se imaginava se haveria mais livros ou não, além de serem voltados para o público infantil. Mas a autora — que aqui chamarei de Emma Watson, e vocês devem imaginar o porquê — percebeu que o público foi crescendo com o passar dos anos, da mesma forma que os personagens. Então os problemas, as dúvidas e as soluções foram se tornando mais complexos. Por isso até hoje ficamos com a dúvida: Snape era bom ou mau? Isso porque durante o decorrer da série foi mostrado o motivo para ele tomar cada atitude, fosse ela moralmente torta ou não.
Meu foco até agora foi na construção dos personagens, mas a regra de não subestimar o leitor vale para tudo. Outro ponto importante é o cenário. É preciso ter em mente que um jovem dos dias de hoje não vai ter as mesmas preocupações de um jovem do século XVIII. Esse, inclusive, é o choque vivido por Mônica e Marina, minhas protagonistas, que viajam no tempo justamente para essa época em “Espadas e pistolas” Elas percebem não ter a mesma mentalidade de outras pessoas da mesma idade, pois há um choque cultural. E eu sei muito bem que não é porque o público é jovem que ele não vai saber que na idade média, por exemplo, não se falava “Qual é?!” ou “É nóis”. Por isso, eu fiz uma grande pesquisa em relação ao contexto histórico dos meus livros.
Entenderam o recado, não é? Ao tomar toda e qualquer decisão em relação ao seu livro, não subestime o leitor jovem!