Nossa produtora editorial, Bianca Gulim, alerta sobre as escolhas em prol do escritor, e não da obra

Nada melhor do que se sentir confortável, não é? Mas nem sempre o conforto é algo bom.

<strong>O EDITOR ALERTA #1: o perigo das escolhas confortáveis</strong>
Imagem: Pixabay

Escritor, confie no meu conselho: é essencial que você tome as decisões em relação à sua publicação pensando no que é melhor para o livro, e consequentemente para o leitor, e não no que é melhor para você; se conseguir conciliar os dois, ótimo, mas, senão, priorize o leitor, e não você.

O leitor — e o editor — percebe quando as decisões tomadas durante a produção do livro foram convenientes para o escritor, e isso o faz parecer um profissional amador, assim como sua obra.

Vou dar um exemplo muito comum para elucidar: livros narrados em primeira pessoa por dez personagens diferentes. Está errado? Não, mas o que motivou o escritor a fazer isso? Em 90% dos casos a resposta é que o escritor gosta de escrever em primeira pessoa, mas muitas cenas importantes não contam com a participação do protagonista, então ele decidiu narrar aquela cena do ponto de vista de um dos personagens presentes.

A chance de isso não dar certo é muito grande; até porque construir um narrador já é bem difícil, imagine dez. Afinal, se são dez personagens diferentes, serão dez narrações diferentes no que se refere à linguagem, estilo, fluxo de consciência, descrição, e assim por diante.

Mas vamos analisar o problema do escritor desse exemplo. Ele começou a escrever o livro em primeira pessoa porque é sua preferência, é como ele se sente confortável, mas aí, depois de 60 páginas, bum! O leitor precisa receber determinada informação, mas o protagonista não pode saber disso. E 40 páginas depois, de novo. E outra vez após mais 60. Escolher aleatoriamente outro personagem para narrar as cenas é a melhor decisão para o livro? Provavelmente não.

O que fazer nessa situação? A primeira coisa que eu faria seria repensar se a primeira pessoa é a melhor decisão para esse livro.

Ah, Bianca, mas pra mim escrever em terceira pessoa é muito difícil.

Ninguém falou que seria fácil, amigo. Encare esse desafio e cresça com ele. Mas supondo que você bata o pé e queira narrar em primeira pessoa, será que não há saídas mais interessantes para a obra?

<strong>O EDITOR ALERTA #1: o perigo das escolhas confortáveis</strong>
Gif: Gipht

Você pode elencar as informações que precisam ser passadas ao leitor sem o conhecimento do narrador e estruturar o livro de forma estratégica. Por exemplo, dividir o livro em partes, e no início de cada parte você traz um trecho do diário de algum outro personagem, no qual você insere a informação; ou uma matéria de jornal. Ou, até, que tal criar um narrador terceiro cheio de personalidade, intrometido, que a cada determinada média de número de páginas vai aparecer e fazer uma contribuição divertida, ou sombria?

O escritor é livre para fazer o que quiser, para fugir do convencional, fazer algo nunca ou pouco feito antes. O importante é que isso seja feito de maneira estratégica, pensada, e que todo o livro seja produzido levando em consideração essa estratégia. Porque assim, mesmo que seja uma estratégia audaciosa, e mesmo que o leitor não goste, pelo menos funcionará, ficará claro o objetivo do escritor. Não dá pra encontrar soluções rápidas, convenientes para o autor, para resolver problemas complexos.

Poxa, Bianca, mas assim vai dar muito trabalho, né? Vou levar muito tempo pra escrever um livro se eu tiver que refletir sobre cada detalhe dele.

<strong>O EDITOR ALERTA #1: o perigo das escolhas confortáveis</strong>
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Escrever um livro dá trabalho mesmo. Se escrever um original foi algo que você fez com muita facilidade, rapidinho, de duas uma: ou você é um gênio da literatura ou não fez um bom trabalho. Sinto ser a portadora da má notícia, mas a segunda opção é mais provável que a primeira.

Então, se você quer ser um escritor, prepare-se para ter muito trabalho no planejamento da obra, mais trabalho na escrita do rascunho, mais trabalho nas suas edições, mais trabalho no acompanhamento da produção editorial. E isso é só o começo, porque depois vem a divulgação, a distribuição, as vendas… Mas isso é assunto para outros artigos. O recado aqui é: faça uma escolha confortável apenas se ela realmente for a melhor decisão para o seu livro; se a melhor decisão para o seu livro for desconfortável para você, encare o desafio.

E você, anda tomando muitas decisões confortáveis?

Até a próxima!

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